sexta-feira, 10 de abril de 2020

Série "Os últmos czares": as gaiolas de ouro de ontem e hoje


Nesta semana(*) completou 101 anos que a família Romanov foi executada pelos Bolcheviques na Revolução Russa. Para quem quiser saber mais sobre os anos de governo do czar Nicolau II, recomendo a série recém-lançada "Os últimos czares", disponível na Netflix. Embora eu tenha achado que a série, um documentário bastante dramatizado (muita participação de atores, meio docudrama), pareça "pegar leve" com Nicolau, que apesar da alcunha de "o sanguinário" foi feito santo pela Igreja Ortodoxa (que nesse ponto não se difere muito da Igreja Católica), o que me faz recomendá-la são possíveis links que se pode fazer com o cenário atual.

Uma coisa que a série deixa evidente é a total desconexão entre a família Romanov e a situação de miséria do povo russo. Os Romanov viviam em uma bolha, ou, como também se diz na série, uma "gaiola de ouro". Comecei a assistir "Os últimos czares" na ocasião em que pessoas de destaque do meio jurídico, como o juiz Marcelo Bretas e a deputada e procuradora Bia Kicis, assim como a jornalista Leda Nagle, fizeram declarações que romantizam e relativizam o trabalho infantil, partindo de exemplos pessoais de trabalhos em negócios de família. Não se trata apenas de estupidez ou maucaratismo, mas de uma desconexão com a realidade, uma incapacidade e desinteresse em ver o mundo para além de suas bolhas de pessoas bem nascidas e criadas.

Na série, quando o tio de Nicolau, o político aristocrata de extrema-direita Sérgio Alexandrovich, é executado em sua carruagem num atentado promovido pela esquerda, sua esposa, Isabel, não tinha a menor noção das motivações que teriam levado ao atentado. Ela vai ao encontro do terrorista-revolucionário no presídio perguntar a ele o porquê e não consegue entender o que ele diz, não consegue compreendê-lo. Diz a ele que o perdoa. Ele, por sua vez, responde: "eu não preciso do seu perdão".

Por viver em uma bolha de luxo e riqueza cercada de aduladores, a dinastia Romanov parecia incapaz de se dar conta da revolução que se formava. Aqui pelos nossos dias, o presidente do Brasil disse ser uma "mentira" que se passe fome no país. Mais uma vez a velha tendência de se reduzir a realidade ao próprio campo de observação. Tendência que vem sendo característica do governo Bolsonaro e de sua defesa. Ele, morador de um condomínio de luxo da Barra da Tijuca, aliado de ruralistas e grandes empresários, parece desinteressado em falar sobre miséria e desigualdade social, em sair de sua gaiola de ouro. E, se ele não enxerga, então é porque não existe.

Só não esperemos uma revolução. Vivemos tempos de anestesia e até conivência.


* Texto originalmente publicado no dia 22 de julho de 2019, no Facebook do autor.



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