quarta-feira, 8 de abril de 2020

Mas afinal, o que é fascismo?



Isso é fascismo! Fulano e Beltrano são fascistas! Ao menos no vocabulário, o fascismo está em voga. Mas, afinal, o que é fascismo? Será que ele também tem sido marcante em nosso cenário político atual ou virou só uma nova forma de xingamento? O termo é tão utilizado quanto de difícil definição. A propósito, seu uso indiscriminado e generalizado torna sua conceituação ainda mais complexa. Para aqueles que buscam melhor compreensão do termo, tenho duas sugestões. Uma é um caminho curto; a outra é um caminho mais curto ainda. A primeira é a leitura do excelente e finíssimo livro Fascismo Eterno, do escritor italiano Umberto Eco. Nesta obra Eco trabalha com o conceito de "Ur-fascismo", que é basicamente um conceito mais elástico e abrangente para a caracterização do termo fascismo. Já o caminho curtíssimo, você pode trilhar aqui mesmo, lendo os próximos parágrafos, extraídos de um ótimo texto do filósofo Rodrigo dos Santos Manzano e publicado na revista Filosofia, Ciência e Vida:  


“De uma forma bem simples, o fascismo pode ser definido como uma teoria política autoritária, paradoxalmente excludente e inclusiva. Inclusiva pois prega um forte coletivismo, porém, de cunho diferente do que prega o marxismo. Não se trata de um coletivismo que tem por base atender às necessidades de todos, superando a desigualdade e a exploração de classes, mas um coletivismo que nega a luta de classes, pois para o bem de um povo, de uma nação, as diferenças devem ser deixadas de lado, inclusive as diferenças sociais, tendo por base um intenso conformismo ante a desigualdade social. Excludente pois historicamente os regimes fascistas elegem inimigos comuns, grupos que são párias na sociedade, sanguessugas que impedem o desenvolvimento da nação, geralmente porque são sustentados pelo Estado, ou usam o mesmo a seu favor, somente para os seus interesses e não para o bem da coletividade. Trata-se ao mesmo tempo de uma teoria conservadora, no sentido de não propor mudanças estruturais voltadas ao desenvolvimento da sociedade, mas com um discurso de renovação, sendo uma deturpação dos ideais socialistas, pregando o coletivismo mas abolindo qualquer menção à luta de classes, aliás, sendo um coletivismo que abafa a luta de classes e não que busca sua superação com a eliminação das mesmas.

É importante ressaltar o quanto o fascismo, apesar de sua pregação coletivista, nada tem a ver com o socialismo ou marxismo, uma vez que hoje difunde-se a ideia de o fascismo ser “de esquerda”. Qualquer um que ler o ‘Mein Kampf’, obra autobiográfica de Adolf Hitler, poderá perceber o quanto o chanceler alemão tinha verdadeiro ódio das teorias socialistas, inclusive dizendo que o bolchevismo não passava de uma teoria judaica, parte de uma conspiração para implantar seu plano de dominação mundial. Sem contar que o próprio fascismo surge como um movimento radical de direita para conter o possível sucesso socialista de revoluções após a Revolução Russa de 1917, principalmente em uma Europa fragilizada pelo pós-Primeira Guerra e a crise da Bolsa de 1929.

O que se percebe é que o fascismo ganha força em locais de forte crise político-econômica. A pregação de que a nação tem um grande futuro, mas não o consegue alcançar, que há um destino sobrenatural a ser atingido pela grandeza do seu povo, mas não o atinge, é um ponto central do discurso fascista. Daqui reforça-se o discurso racista existente no fascismo. Uma etnia pura consegue grandes feitos, mas as impurezas de povos menos desenvolvidos, menos evoluídos, também são fator para o atraso de um povo. (...) A teoria fascista é basicamente uma teoria conservadora ao extremo, opondo-se ao legado iluminista. Se por um lado o Iluminismo trouxe grandes mudanças para a sociedade europeia, e consequentemente para o resto do mundo, baseado em ideias como liberdade, igualdade e fraternidade, os avanços que se conquistaram com a derrubada do antigo regime e a chegada do estado de direito logo precisaram ser barrados. Assim, o fascismo é a plena expressão de um resgate, sob outra roupagem, de ideias do antigo regime. Estado forte, submissão ao governante, justificativa do poder do governante sob cunho metafísico (...). Assim, o fascismo é não só oposto ao socialismo, mas também oposto aos ideais iluministas, representando um retrocesso dentro dos ideais burgueses, mostrando o conflito de uma burguesia outrora revolucionária e agora reacionária”

(Rodrigo dos Santos Manzano – Revista Filosofia, Ciência e Vida, ed. 157, dezembro de 2019)

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