Frequentemente aqueles que defendem maior flexibilização do uso de armas de fogo fazem comparações entre elas e outros utensílios para defender sua posição. É o caso do ministro Onix Lorenzoni, que comparou armas de fogo a liquidificadores [*] [1]. Há pelo menos dois problemas lógicos nessa comparação.
Primeiro, isso desconsidera o próprio conceito de tecnologia, que é o uso da ciência e engenharia no fabrico de coisas que resolvam problemas específicos. Por exemplo, você pode cortar um queijo com uma faca? Claro que sim. Mas um cortador de queijo corta as fatias com mais precisão e é mais prático, porque foi projetado justamente para isso. Da mesma forma, você até pode beber água em um prato, mas no copo fica muito melhor e mais fácil. O prato serve melhor para coisas sólidas, não líquidas.
Outro problema é quando dizem coisas do tipo "armas não matam pessoas. Pessoas matam pessoas". Com isso querem dizer que quem quer matar alguém não precisa de armas de fogo, podendo usar qualquer outro tipo de utensílio. Um prato, por exemplo. Só que esse "argumento" é uma falácia, ou seja, uma estratégia retórica usada somente para ludibriar o interlocutor. Se os defensores das armas realmente acreditassem nisso, não precisariam defender a flexibilização das armas, bastariam usar um prato (ou qualquer tipo de utensílio citado na comparação). Quem não tem um prato? Mas eles continuam a defender a flexibilização das armas de fogo justamente porque sabem que elas têm uma vantagem competitiva na finalidade para a qual foram projetadas (matar) em relação a outros artefatos. E é justamente essa vantagem competitiva que leva a necessidade de maior regulamentação.
As pessoas já se matavam antes das armas de fogo e do desenvolvimento da pólvora. Mas elas sempre preferiram aquilo que a tecnologia oferecia de melhor para esta finalidade em suas épocas. Pense no personagem principal de "Coração Valente" correndo na direção do exército inglês gritando "freedom" com um prato na mão. Ridículo, não? Ele preferia espadas e lanças. Esperto.
Nossos precursores Homo habilis receberam esse nome por desenvolverem habilidades no uso e fabrico de utensílios para fins específicos, como a caça e o combate, (o filme "2001 - uma odisseia no espaço" ajuda a ilustrar). Era o primórdio da tecnologia. Estamos em 2019 e alguns Homo sapiens, quando fazem comparações entre armas e liquidificadores, parecem desconsiderar aquilo que os Homo habilis já sabiam há cerca de 1 milhão de anos.
* - Texto publicado originalmente no dia 16 de janeiro de 2019, no Facebook do autor
Referências:
1- Declaração do ministro Onix Lorenzoni comparando armas de fogo a liquidificadores:
2- Estudos relacionam frouxidão na regulamentação de armas de fogo a aumento da violência:
Nenhum comentário:
Postar um comentário