sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Telenovelas servem como registro histórico? A comparação entre duas obras e o preconceito com a terceira idade

 


Não sou de ver novela, mas acho que elas são muito boas para retratar a sociedade e contextos de uma época. Percebi esse grande potencial da teledramaturgia assistindo involuntariamente algumas novelas no Canal Viva, por às vezes estar no mesmo recinto que a minha mãe (ela é noveleira, daí não tem jeito...). Comecei a reparar nos figurinos antigos, maquiagem, penteados, cenografia, carros. Talvez esses elementos sejam os que mais saltam aos olhos como registro de um tempo antigo. Mesmo que o tempo nem seja tão antigo assim. Uma novela ambientada há uns 15 anos já é o bastante para nos gerar certa estranheza quando assistimos em uma perspectiva comparada à atualidade. 

Mas não fica só nisso. Logo você começa a reparar em outros elementos: gestos, gírias e expressões. Tudo descortinando as diferenças entre contextos e épocas. Em Pai Herói por exemplo, novela de 1979 reprisada recentemente pelo Viva, me chamou a atenção o modo como o personagem André (Tony Ramos) agarrava e sacudia Carina (Elizabeth Savalla) com certa truculência nas brigas de casal, mesmo sem ser um vilão. Pelo contrário, era o protagonista e herói da trama. Naquela dramatização de gestos é possível encontrar um registro da micro-história contemporânea, de como eram as relações cotidianas na década de 1970, incluindo o machismo e a subordinação feminina na cultura da época? Creio que sim.

Mesmo as novelas de época, que retratam um período diferente daquele em que foram feitas, ainda assim nos dizem alguma coisa em perspectiva histórica. A versão original de Sinhá Moça (1986) e o seu remake (2006), quando vistos em perspectiva comparada, nos mostram o quanto os aspectos técnicos das produções audiovisuais avançaram. A iluminação é um exemplo que salta aos olhos, literalmente: a versão original tinha tomadas bem mais escuras, principalmente em ambientes internos.    

Podemos ir além. Duas novelas do autor Manoel Carlos estão sendo reprisadas atualmente na Globo e no Viva: Laços de Família (2000) e Mulheres Apaixonadas (2003), respectivamente. Maneco, como é chamado o dramaturgo, ficou conhecido como o novelista do Leblon, bairro mais caro e nobre do Rio de Janeiro. As Helenas, suas heroínas – outra característica de Manoel Carlos – vivenciavam suas histórias nos círculos de elite, em um Brasil aristocrático de poucos privilegiados. Em um desses episódios aleatórios e involuntários com os quais me deparo, ouço a frase: “Pai, preciso tirar logo minha carteira de motorista. Não aguento mais andar de táxi”, disse a adolescente para seu papai. Surreal. Ao menos para mim. E para a esmagadora maioria da população também. 

A frase é de Mulheres Apaixonadas, exibida na primeira metade da década passada. De lá para cá, o Brasil passou por transformações sociais – pude sentir e observar algumas delas – que possibilitaram uma ascensão de poder aquisitivo das classes C, D e E. Você pode até discordar dessa perspectiva e não pretendo me aprofundar em questões políticas, mas experimente observar a teledramaturgia desta última década. Observe como o enquadramento das temáticas mudou nas novelas. O universo teledramatúrgico burguês de Manoel Carlos e similares foi perdendo espaço e sendo substituído por obras, digamos, mais inclusivas, cujos eixos temáticos estão mais próximos das classes populares: Avenida Brasil (2012), Salve Jorge (2012), A Força do Querer (2017), Amor de Mãe (2019)... Isso não acontece por acaso. É a produção cultural acompanhando as mudanças sociais.

De Sassaricando a Haja Coração: corpolatria e culto à juventude aumentaram nos últimos anos?

Mas como a história não é linear e nem toda mudança é “positiva”, vamos lá... Assistindo à novela Haja Coração (2016), inspirada em Sassaricando (1987), fiquei surpreso ao ver Alexandre Borges no papel de Aparício, que era interpretado na obra original por Paulo Autran. O que me surpreendeu foi o fato de Borges ser visivelmente mais jovem do que Autran era quando fazia o personagem. Daí vi que alguns outros personagens da novela atual são interpretados por atores mais jovens do que os originais. 

Resolvi passar para uma análise mais minuciosa (a quem chame isso de “falta do que fazer", rsrs). Pesquisei as idades de algumas atrizes quando atuavam em ambas as obras (as idades estão entre parênteses). O trio de amigas Rebeca, Penélope e Leonora, interpretado em Sassaricando por, respectivamente, Tônia Carrero (65), Eva Wilma (54) e Irene Ravache (43), foi substituído em Haja Coração por Malu Mader (50), Carolina Ferraz (48) e Ellen Rocche (37). Somando e dividindo as idades das atrizes recentes, temos uma média de 45 anos, nove a menos que a média de 54 anos das atrizes originais em 1987. Isso em uma sociedade em que a expectativa de vida aumentou nos últimos anos. Não é curioso que vivamos mais, mas sejamos descartados e/ou desvalorizados mais cedo? 
 
Daí achei que eu tivesse descoberto a pólvora com esse contraste de faixa etária entre as obras (que ingenuidade! Mas como eu disse anteriormente, não sou muito fã de novela), porém, quando fui procurar na internet sobre as duas produções e as diferenças de idade entre os atores, me deparei com uma excelente matéria[1] que já fala sobre isso, que parte dessas diferenças para discutir a sociedade atual e a discriminação com as pessoas de mais idade, não só nas produções audiovisuais, mas no mercado de trabalho em geral, incluindo falas de um sociólogo, recortes de gênero e de classe. Matéria muito boa mesmo!  

Se for verdade o que afirmo, que telenovelas servem mesmo como documento histórico ao retratar contextos sociais, gostos e idéias de uma época, Haja Coração, em comparação à obra oitentista que a inspirou, serve como um bom exemplo de nosso atual culto exagerado à juventude, de nossa corpolatria e do quanto esses aspectos sociais foram acentuados em um intervalo de tempo relativamente curto (dos anos 1980 para cá). O fato de a Globo estar reexibindo Haja Coração atualmente ao mesmo tempo em que Sassaricando pode ser assistida no canal Viva facilita que ambas sejam vistas em perspectiva comparada. Cada um pode tirar suas próprias conclusões sobre as mudanças sociais. Ou apenas se divertir com as tramas. 

Referência
[1]   "De Sassaricando a Haja Coração, preconceito com atores veteranos aumentou nas novelas":


quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Átila e seu vídeo comparando mercado a formigueiro: o que podemos aprender?



Tenho como um dos meus filtros de internet pesquisar o currículo de uma personalidade quando ela se destaca como formadora de opinião. Vale Lattes, Linkedin, Vitae. Vejo a formação, a experiência profissional, o que mais eu puder. Já fui criticado por isso, mas no terreno arenoso da internet, onde cada um diz qualquer coisa, acho válido. Na sociedade de espetacularização midiática em que vivemos, as estratégias de propaganda, marketing e relações públicas estão a todo o momento atropelando o conhecimento e se sobrepondo a ele. É a forma frequentemente esmagando o conteúdo. É a velocidade superando a reflexão.

Dito isso, quero usar o exemplo recente do Átila Iamarino, que fez um vídeo para seu canal Nerdologia comparando o funcionamento do mercado financeiro a um formigueiro (vídeo este declaradamente patrocinado por uma corretora)[1]. É o tipo de analogia com carga ideológica que dá um verniz de fenômeno da natureza a um construto social, "biologiza" o capitalismo fazendo-o parecer natural, inerente ao ser humano e, logo, o melhor (ou mesmo o único) caminho possível. 

Sobre esse tipo de analogia falha entre natureza e fenômenos socioeconômicos e políticos, recomento o pequeno livro "O que é Darwinismo"[2], do biólogo Nélio Marco. Nesta obra o autor mostra como as comparações entre natureza e funcionamento do capitalismo já permeavam o trabalho do naturalista Charles Darwin. A idéia de competição, marcante na economia de mercado e também presente na selva (quem nunca ouviu a expressão “capitalismo selvagem”?). O livro do biólogo desconstrói essas analogias e mostra o quanto elas estão impregnadas de ideologia, o quanto cientistas como o próprio Darwin tendem a interpretar a natureza e as coisas a partir dos pressupostos do mundo em que vivem, inclusive os pressupostos econômicos. A visão da natureza como uma analogia da competição capitalista desconsidera, por exemplo, inúmeros exemplos de mutualismo e de cooperação entre animais de uma mesma espécie. Marco cita como um dos exemplos o “trabalho conjunto” feito por zebras movimentando-se em círculos e supostamente usando suas listras para confundir os predadores. 
     
Há implicitamente um argumento de autoridade no vídeo do Nerdologia: Átila, um biólogo respeitável, lança mão de seu prestígio para ir além de sua área. Assim sendo, é um argumento de autoridade bem truncado, pois o fato de ele ser um grande biólogo não faz dele um economista ou cientista social.

Isso também não significa que Átila e seus seguidores sejam estúpidos, como agora, aborrecida com o vídeo, quer fazer crer os críticos mais mordazes do vídeo (pessoas politicamente à esquerda, incomodadas com o modo como o livre mercado foi retratado). Pelo contrário: no contexto pandêmico atual, Átila, youtubers e demais produtores de conteúdo semelhante (de popularização da ciência) são aliados importantes contra o negacionismo científico. E não adianta muito apenas atacar sem explicar por A mais B, com algum didatismo, onde o vídeo está errado.

Por isso volto à importância de se ter em mente a formação e a vivência de alguma celebridade de internet para além de suas atuações no espaço virtual. Átila é biólogo, e a chance de um especialista cometer algum equívoco ou distorção aumenta muito na medida em que ele desliza para outras áreas distantes da sua. Isso vale para todos, pois ninguém é onisciente. No caso do Átila, mais vale isolar o vídeo em questão do restante de seu trabalho (a meu ver, muito bom!), explicar os simplismos e erros do vídeo específico e valorizar os acertos do conjunto da obra.

Ninguém sabe tudo e acho importante as pessoas se informarem que o Olavo de Carvalho não é filósofo, que o Leandro Narloch não é historiador, que a Gabriela Pugliese não é nutricionista ou professora de educação física (ela é formada em desenho industrial). Vale a pena levar certas informações em conta para se estabelecer o quanto de valor se dá àqueles que ajudam a formar nossa opinião. É um filtro que está longe de ser infalível, mas que acho válido, que uso e recomendo. E este texto, como já se deve ter ficado claro, não é uma crítica ao trabalho de um youtuber, mas um exercício de aprimoramento da literacia midiática[3] valendo-se de um exemplo concreto. A literacia midiática vai se elaborando e reelaborando conforme a mídia se transforma.  
    
Referência:

[1] Vídeo “O livre mercado é um computador”, de Átila Iamarino do canal Nerdologia:

[2] MARCO, Nélio. O Que é Darwinismo? São Paulo: Brasiliense, 1987.

[3] Entendendo o que é Literacia Midiática:


terça-feira, 20 de outubro de 2020

A mensagem subliminar na publicidade é real?*

Você já deve ter ouvido, lido ou visto alguma notícia assustadora sobre como propagandas subliminares são usadas no meio publicitário e a capacidade que elas têm de afetar nossas escolhas sem que sequer a percebamos. Vou dar um exemplo clássico: imagine você estar assistindo sua programação preferida na televisão e, de repente, uma imagem pisca na sua tela. Essa imagem é de uma marca, vamos supor… de cosméticos. Você repara nesse frame, segue assistindo a sua programação e sente uma vontade incontrolável de consumir aquele produto. Será que é assim que funciona? Será que, naquela mesma hora, você ficou interessado em consumir essa marca? Ficou interessado em descobrir que marca é essa? Ficou assustado com a potencial capacidade de uma marca influenciar nas suas ações?

James Vicary, esse é o nome do responsável por cunhar o termo propaganda subliminar e o autor, segundo ele mesmo, de um comercial da Coca-Cola que utilizou da estratégia semelhante ao do exemplo dos cosméticos. No ano de 1957, em uma sala de cinema, Vicary colocou projetores que transmitiam palavras “Beba Coca-Cola” e “Coma pipoca”, durante um intervalo de 1/3.000 de segundo, a cada cinco segundos, em todas as sessões do filme. O resultado foi extraordinário: aumento de 18,1% nas vendas de Coca-Cola e de 57,8% no aumento das vendas de pipoca. A população ficou assustada: “o que as marcas farão conosco a partir de agora?; será que os russos transformarão todos em comunistas?” (afinal, eram tempos de Guerra Fria); “como saber se já fui ou serei afetado por esse tipo de publicidade?”; “como me proteger?”. Esses foram alguns dos questionamentos da população sobre o novo medo.

Se esse caso da Coca-Cola de Vicary foi o primeiro, de tempos em tempos surgem exemplos que complementam essa história. Filmes infantis que escrevem palavras não apropriadas para crianças (caso de “s-e-x” na animação O Rei Leão), disco da Xuxa que se ouvido de trás para a frente é uma “exaltação ao demônio” ou frames imperceptíveis a olho nu criam um estímulo de consumo irresistível. De acordo com essa perspectiva, podemos definir, então, que propagandas subliminares são estímulos visuais, auditivos, sensoriais que estão um pouco abaixo do nosso nível de percepção consciente, sendo registrados apenas pelo nosso inconsciente, que, por sua vez, executa vontades sem que notemos o processo. 

Toda essa história e esse medo já seriam, realmente, assustadores e preocupantes. Sim, seriam, se tudo isso, de fato, fosse propaganda subliminar. A começar por Vicary. O que ele contou não passou de uma mentira. Nada de aumento de venda, nada de propaganda subliminar, nada de sala de cinema. Nada! Nem quando realmente tentou colocar esse experimento em prática, teve resultado positivo. Nada de “s-e-x” escrito nas animações. Em O Rei Leão, a sigla era “s-f-x”, referente aos efeitos especiais. Os animadores colocavam a sigla de brincadeira em todos os filmes que faziam para mostrar o quão orgulhosos eram dos seus efeitos especiais. Por último, muito menos o disco da Xuxa tocado ao contrário queria dizer alguma coisa. Isso foi uma lenda das décadas de 1980 e 1990.  E, afinal, quem escuta um disco ao contrário?!


Então quer dizer que propagandas subliminares não existem? Que não preciso me preocupar com o risco de ser estimulado inconscientemente por uma marca? Não, não é isso! O que quero dizer é que propagandas sublimares são muito piores do que parecem. Elas estão gritando na sua cara e você, ainda assim, não as percebe. Elas o atingem muito mais sensorialmente e, ainda que você perceba, tende a ser atraído para seus produtos.

 

É proibido fumar? O porquê das companhias de cigarro estarem sempre um passo à frente

Vamos começar de “leve”, com as propagandas de televisão. Quando você assiste a um comercial do Itaú, antes mesmo de a marca ser visível, você já sabe ou desconfia que é um comercial do Itaú, por conta de algumas identidades visuais elaboradas pela marca dentro dos estudos de branding. Repare que a coloração do comercial é levemente alaranjada, que objetos ou roupas dos personagens são azuis, que o estilo musical se mantém em praticamente todas as propagandas e por ai vai. Evidente que isso não é exclusivo do Itaú, mas se repete nos comerciais do Santander, Bradesco ou qualquer outro banco que utilize o branding. O mesmo se aplica a outras marcas fora do setor bancário, como Claro, Tim, Oi, Vivo, posto Ipiranga, Skol, Antarctica, etc, etc e etc.

E se isso ainda não é necessariamente impressionante ou mesmo assustador, é porque os logos ainda aparecem em seus comerciais, nunca foram proibidos. Fazendo um exercício de imaginação, se marcas de bancos forem proibidas em publicidade, basta o Itaú fazer esse mesmo estilo de anúncio e apenas suprimir seu logo no final. Ainda assim, você conhecerá qual marca está falando com você.

E se esse exercício de imaginação for difícil, tudo bem, aconteceu isso com comerciais de cigarro. Em 1950 começaram os burburinhos de que o cigarro causava câncer. A Malboro resolveu inovar em filtros para os produtos, mas inovou também nos comerciais. Contrataram Robert “Bob” Norris (que nunca fumou durante seus 90 anos de vida!), um cowboy do Colorado, para estrelar um comercial. Esse estilo, que se ligava à liberdade (não se esqueça, no final dos anos 1950 e início dos anos 1960, a Guerra Fria estava a todo vapor) se tornou a identidade da marca nos anos seguintes. Com o slogan: “Venha para onde está o sabor. Venha para o mundo de Marlboro”, a marca teve um estrondoso sucesso, chegando a ser a marca de cigarros mais vendida do mundo. Sucesso que perdura até hoje. Além, é claro, do ideal de liberdade, a Malboro se colocava ao lado de um ideal de virilidade, saúde e beleza. Avançando um pouco mais no tempo, você acha coincidência que a marca de cigarro tenha escolhido patrocinar uma equipe de Fórmula 1, cujo carro é extremamente veloz, eficaz, forte e vencedor? O mesmo se aplica ao seu patrocínio na Nascar. Segundo o site da Nascar, seus fãs são considerados os mais fiéis a marcas do esporte. A propósito, as 500 maiores empresas norte-americanas apontadas pela Fortune patrocinam mais a Nascar do que qualquer outra associação ou federação esportiva.[1]

Quando os comerciais de cigarros passaram a ser proibidos, novas estratégias foram obrigadas a ser pensadas pelos anunciantes, que se viram forçados a dar um salto para o futuro, a estarem à frente do próprio tempo. Retiraram suas marcas, mas mantiveram um homem andando a cavalo, uma paisagem desértica com um belo pôr do sol, dois vaqueiros conversando sobre um sol avermelhado etc. Na verdade, eles foram ainda mais além, escolheram uma escuderia da formula 1, com seu tom de vermelho, vestiram pilotos e estamparam a marca nos carros. Se em 2007 ficou proibido estamparem sua marca nos carros da Ferrari, tudo bem, substituíram pelo seu ícone. Se o ícone foi proibido, tudo bem, vamos lançar uma frase Mission Winnow, que reflete o nosso novo posicionamento mundial (reparem que o M é parecido com o do logo).


E aí, você deve estar pensado: por que, então, não proíbem qualquer alusão à marca em qualquer mídia? E aqui a história de propaganda subliminar fica ainda pior. Elas podem ser proibidas, elas podem ficar sem gastar um centavo com publicidade, o governo já está fazendo isso por elas. Sim, sabe aquelas imagens chocantes que ficam nos maços de cigarro e estão expostas em bares, mercados, totens ou mercearias? Então, elas funcionam como comerciais para cigarros e, diferente do que pensamos, estimulam ainda mais a fumar.

É isso que mostra o maior estudo de neuromarketing, que começou em 2004, foi finalizado em 2007 e selecionou mais de 2.000 voluntários vindos de diversos lugares do planeta – Estados Unidos, Inglaterra, Japão, Reino Unido, Alemanha e China – para entrarem em uma máquina de IRMf (Imagem por Ressonância Magnética funcional), “nada mais que um aparelho que faz um minifilme amador do cérebro a cada intervalo de poucos segundos – e em dez minutos pode reunir uma quantidade espetacular de informações” (LINDSTROM, 2009). Desses 2.000 voluntários, 32 fumantes foram selecionados e a eles, com esse aparelho que escaneia o cérebro, foram mostradas diversas imagens de advertência sobre cigarros em vários ângulos (pulmões cinzas, câncer em estágio avançado, aborto espontâneo etc) e em uma das mãos um botão era apertado pelos voluntários todas as vezes em que eles tinha vontade de fumar.

Analisando o resultado dos 32 voluntários, a conclusão foi de que as imagens de advertência em maços de cigarros não surtiam efeito algum na supressão do desejo de fumantes. Em outras palavras, foram bilhões de dólares investidos por mais de 123 países que não surtiram efeito nenhum e, pior: as imagens estimulavam ainda mais o consumo do cigarro pelos pacientes. Isso porque o escâner detectou aumento na atividade do nucleus accumbens, conhecido como “ponto do desejo”, uma malha de neurônios especializada em ativar quando o corpo deseja algo (sexo, apostas, álcool, drogas etc). Em outras palavras, as campanhas não só não serviram para diminuir a vontade de fumar, mas funcionaram como uma ferramenta gratuita de marketing para a indústria do tabaco. Portanto, por mais que anúncios de cigarros sejam proibidos, as campanhas governamentais antitabagismo, ajudam nos anúncios de cigarro. Basta que algumas imagens (como essas abaixo), mesmo sem as palavras “fumo”, “cigarro” ou correlatas, para você saber qual é o produto e, pior: para despertar ainda mais em você a vontade do fumante (caso você seja fumante).


Você pode estar se questionando: mas eu não fumo e não sinto vontade de fumar quando vejo esses anúncios, portanto essa propaganda não me atinge! É verdade, mas ela é um dinheiro público investido para que, primeiramente, os fumantes repensem o uso do cigarro. Ainda que novos adeptos não sintam vontade de fumar vendo esse anúncio, você sabe, só por essa campanha que naquele estabelecimento tem cigarro disponível.


Quero café! Quero café!

E a propaganda subliminar vai além. Sim, ela consegue despertar a vontade de tomar café enquanto você anda de ônibus. Foi o que a Dukin’ Donuts fez na Coréia do Sul. A marca, conhecida mundialmente por vender suas rosquinhas recheadas, também comercializa café. Porém esse produto é menos associado à Dukin’ Donuts pela população. Devido à competitividade com diversas cafeterias populares no país asiático, a empresa resolveu inovar em uma de suas publicidades. Como é comum a utilização de transportes públicos no país, eles resolveram fazer uma campanha nos rádios desses transportes e, junto desses rádios, foram instalados aromatizadores. Então, todas as vezes em que o jingle da campanha era tocado, o aromatizador automaticamente expelia um cheiro de café. E não acaba por aí. Os rádios tocavam o jingle quando os veículos estavam próximos a algumas lojas da Dukin’ Donuts. Assim que o passageiro descia do ônibus, adivinha: uma loja da Dukin’ Donuts estava esperando para aquele cafezinho.

Resultados: 350 mil pessoas foram expostas aos anúncios da campanha e foi registrado um aumento de 16% de visitantes nas lojas da empresa, sendo que a venda de cafés em lojas próximas às paradas de ônibus aumentou em 29%. O vídeo sobre a campanha está disponível no Youtube [2].

Concluindo, a propaganda subliminar não precisa atingir o seu inconsciente, como se acreditava na década de 1950. Não é preciso um frame imperceptível a olho nu, mas sim que a propaganda atinja os seus sentidos, com você percebendo ou não cada segundo dessa aproximação. Isso já basta e tem um efeito poderoso! Propagandas subliminares estão a sua volta. Você as vê, sente seu cheiro, escuta o seu som, mas nem sempre presta atenção.


* Artigo de Adler Mendes. Publicitário e mestre em Mídia e Cotidiano (UFF)


Referências:

[1] LINDSTROM, Martin. A lógica do consumo. Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2009.

[2] Case Dunkin' Donuts: https://www.youtube.com/watch?v=7_Us9AVnQCM



 


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