quarta-feira, 8 de abril de 2020

Coronavírus: boatos, teorias conspiratórias e o enfraquecimento das instituições



Teorias conspiratórias e boatos sempre foram um assunto que eu gosto muito. Comecei a pesquisar isso na década passada, bem antes de termos como “pós-verdade” e “fake news” entrarem na moda. Meu TCC de cinema foi sobre a “lenda” da sincronia proposital entre o álbum Dark Side of the Moon, do Pink Floyd, e o filme O mágico de Oz. Não era exatamente uma teoria conspiratória, mas um boato propagado na internet (na época usava-se o termo “hoax”). Aproveitei um pedaço da pesquisa para o meu TCC seguinte, de jornalismo, sobre o “roubo da Amazônia”, esse sim com todos os contornos de teoria conspiratória. Nos primórdios da internet no Brasil, uma página de direita ligada a militares saudosistas da ditadura (ou seja, precursores do bolsonarismo) disseminou um boato de que livros didáticos nos EUA estavam ensinando que a Amazônia seria uma área internacional. Aparentemente o boato funcionava como um lobby por aumento de recursos para que as Forças Armadas protegessem a região. O roubo da Amazônia foi um precedente menos nocivo da mamadeira de piroca.

As teorias conspiratórias exercem um efeito psicológico em seus adeptos, principalmente naqueles com menos escolaridade ou baixa autoestima: eles se sentem portadores de um segredo que pouca gente sabe e por isso se veem como capazes de enxergar além de um suposto senso comum. Não é só propriamente as teorias conspiratórias que exercem esse efeito. Nos últimos anos, os guias politicamente incorretos, a internet, as redes sociais e outros fatores e elementos venderam versões variadas dessa mesma ideia problemática: a de que ser esperto é ter um conhecimento alternativo ao conhecimento consensual. Essa ideia é um dos fatores da atual crise das mediações, em que universidades, ciência, mídia e instituições políticas passam a ser desvalorizadas. Daí o discurso afirmando que os professores escondem a verdade de seus alunos, os jornalistas distorcem os fatos (às vezes distorcem mesmo), a política não presta e o Estado é corrupto e manipulador, por isso tem que acabar. Por mais que as críticas às instituições tenham algum fundamento, boa parte dos seus críticos tem oferecido alternativas ainda piores. É o que se vê, por exemplo, na substituição parcial do jornalismo profissional pelos boatos, fake news e conspiracionismos das diversas redes sociais.

Pegue um desses guia politicamente incorretos de história, por exemplo (que aliás não foi escrito por um historiador), cheio de vieses e enfoques milimetricamente distorcidos para soar “alternativo” e crítico à historiografia consensual. Eles possuem um apelo sedutor: fazer com que o leitor se sinta à frente de quem é formado, mesmo sem ter formação na área ou, às vezes, formação alguma. Isso, em um país cujo acesso à educação ainda é difícil, significa fisgar o leitor pelo ego.

O evento do último domingo (dia 15) foi um bom exemplo de tudo isso: pessoas foram às ruas contrariando uma recomendação de base científica (prevenção contra o coronavírus) para pedir o fechamento de instituições democráticas (o STF e o Congresso). Para piorar, o líder da nação, que deveria cumprir quarentena e se manter em isolamento, cumprimenta os manifestantes aumentando os riscos de contágio. Esse mesmo líder classifica toda a repercussão de histeria, chama o novo vírus de “gripezinha” e critica ações de prevenção como o fechamento de igrejas e de shoppings. Não à toa tem perdido o posto de liderança para os governadores dos estados, que estão o deixando de lado, cientes de sua incompetência.

A mais nova teoria conspiratória a circular é que o coronavírus seria uma invenção chinesa, feita em laboratório, para desestabilizar a economia mundial, o que serviria aos planos de dominação da China. E obviamente essa teoria circula no mundo paralelo da mesma base eleitoral que foi às ruas no último domingo. Neste momento, a fonte mais confiável de informações é a mídia profissional (apesar de todos os seus defeitos). Para lidar com um problema dessa magnitude, é preciso restabelecer alguma confiança no jornalismo, na ciência, nos pesquisadores, nas instituições políticas e na cooperação global entre países (justamente o que alguns, pejorativamente, poderiam chamar de “globalismo”). O pensamento conspiracionista que desvaloriza e quer eliminar tudo aquilo que não entende para por no lugar algo pior é muito pouco construtivo e tem pouco a contribuir

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