quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Jornalismo, diploma e fake news: lidar com a informação não é tão fácil quanto parecia

Hoje quero lembrar de uma discussão que foi frequente há cerca de 10 anos e que, por conta das mudanças sociais e tecnológicas, aparentemente tornou-se obsoleta nos dias atuais: o fim da obrigatoriedade do diploma de jornalista para o exercício da profissão. Em 2009, o STF decidiu por 8 a 1 (Marco Aurélio Mello foi o voto vencido) que o diploma não mais deveria ser obrigatório, argumentando, dentre outras coisas, que essa obrigatoriedade feria a liberdade de expressão. Para muitos jornalistas – incluindo este que vos escreve – o argumento era descabido. Primeiro porque jornalismo não é para emitir opinião (embora haja, sim, alguns espaços para isso, como os editoriais); segundo, porque com frequência quando a tal opinião aparece é a do veículo e não a do próprio profissional.

Mas havia aqueles – diplomados ou não – que concordavam com a posição do STF e que diziam que o diploma era somente reserva de mercado. Se os defensores do diploma tinham o slogan “jornalista por formação”, seus críticos criaram um outro slogan: “jornalistas por vocação”. Lembro-me que na época entrei em um site destes últimos e vi um banner com a frase “jornalistas por formação” e a palavra “formação” riscada de vermelho, com a palavra “vocação” escrita por cima.      

Se o problema era a liberdade de expressão, hoje nós temos liberdade de expressão de sobra. Todos editam vídeos, textos, criam sites, veiculam "notícias". Mas se há 10 anos discutíamos se o diploma deveria ser obrigatório ou não, hoje a discussão é outra: como lidar com o turbilhão diário de desinformação (fake news, boatos, teorias conspiratórias…) que se replica velozmente impulsionado pelas mídias digitais, pondo em risco o estado e o sistema democrático no Brasil e em vários outros países? 

Não quero aqui tentar criar nenhuma relação de causa e efeito entre o fim da obrigatoriedade do diploma e a avassaladora escalada de desinformação. Obviamente não é isso. E também não estou dizendo que o jornalismo profissional sozinho tem forças pra conter a desinformação. Ele ajuda muito, mas só ele não basta. E vale lembrar que a imprensa profissional também tem seu histórico de disseminação de fake news, pois cometeu diversos erros ao longo de anos.

O que quero dizer é que o mundo vislumbrado lá no final da década retrasada pelo STF e pelos apoiadores do fim do diploma foi potencializado: todo mundo hoje em dia pode ser um pouco jornalista, mas os resultados disso têm mostrado que lidar com a informação é bem mais complicado do que um dia muita gente supôs e muitos ainda supõem. Definitivamente, ser “jornalista por vocação” não é fácil. Sem contar que é muito subjetivo. Muita gente pode se julgar vocacionada sem realmente ser.   

Implicitamente, aquela visão dos defensores do fim do diploma trazia uma crença ingênua no indivíduo: a ideia de que cada um, com discernimento e bom senso (conceitos que podem variar muito de pessoa para pessoa) poderia se tornar um bom emissor. Eu reconheço que sou pessimista em relação ao discernimento e bom senso individual (as aglomerações em tempos de pandemia estão aí pra mostrar o quanto o cidadão pode ser desarrazoado) e sei que lidar com a comunicação é complicado. Por mais que você explique algo, o ruído está sempre a rondar, como uma força da natureza, pronto pra por tudo a perder. Pode ser no jornalismo ou em briga de casal: um diz uma coisa e o outro entende outra. Comunicar é empurrar uma pedra morro a cima. Tarefa difícil. Lidar com a informação exige um certo trato.

Acho irônico ver o cenário atual de desinformação em massa e lembrar que há alguns anos a formação e o diploma em jornalismo foram minimizados por muita gente. Mas é justamente nesses cenários de desinformação que vemos o quanto o jornalismo profissional é importante.   Nesta pandemia, ele tem ajudado a combater um outro vírus que são as notícias falsas. Assim como o coronavírus, se não forem combatidas, elas se replicam muito rapidamente. Para quem quiser saber mais sobre a importância do jornalismo no combate à epidemia de desinformação, recomendo o documentário Cercados, da Globoplay. Lançado em dezembro do ano passado, o filme soa como uma retrospectiva de 2020, além de nos fazer pensar sobre o papel da imprensa, da checagem e da apuração responsável da notícia.


Referências:

1- 'Cercados' retrata os desafios da imprensa na cobertura da pandemia:

https://www.terra.com.br/diversao/cinema/cercados-retrata-os-desafios-da-imprensa-na-cobertura-da-pandemia,97bd205a251f73ff34499e34fc01d411ybpt9vls.html?fbclid=IwAR3SHJanoN02gebrFY1LYDL65P4HGqMiLlFek-oe1dceAH60xpCJng43eDI

 

2- "A desprofissionalização do jornalismo", episódio do Dialéticas Podcast, discute as mudanças na profissão nos últimos anos e o futuro do mercado:

https://www.youtube.com/watch?v=wRPSed0x_P0


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