terça-feira, 17 de novembro de 2020

Cinco motivos pelos quais a propaganda do TSE, com Caio Coppolla e Gabriela Prioli, é ruim

 


Faltando poucos dias para a votação em primeiro turno, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) lançou uma propaganda em favor da democracia, do respeito àqueles que pensam diferente e do voto consciente, reiterando a necessidade de os eleitores buscarem informações confiáveis sobre seus candidatos [1]. A propaganda gerou polêmica e críticas [2], principalmente por conta da escolha de Caio Coppolla e Gabriela Prioli como garotos-propaganda. Aqui, destaco cinco pontos pelos quais a propaganda é ruim, além de tentar mostrar de que forma ela é sintomática de problemas que tem tomado o debate político e a própria comunicação nos últimos tempos. Implicitamente, a peça publicitária do TSE assimila e reproduz esses problemas. 

1- Se a proposta é criticar a ideia de polarização, que contaminou a política atual, a propaganda termina por implicitamente reproduzí-la, ao colocar, de um lado, o Coppolla (direita), e, de outro, a Prioli ("esquerda"). Isso reforça a polarização e legitima o Fla-Flu político, desconsiderando tantas outras nuances. Não deveria ser esse o papel da publicidade institucional de um órgão tão importante. Isso em um cenário de debate político agressivo, em grande parte influenciado e impulsionado pelas redes sociais, que favorecem o engajamento de discursos agressivos e, ao mesmo tempo, desfavorecem falas mais moderadas ou ponderadas (que normalmente geram menos engajamento).  

2- A propaganda legitima como "comentarista político" um desqualificado como Caio Coppolla. Aqui uso o termo não apenas no sentido pejorativo, mas principalmente no sentido literal. Trata-se de um desqualificado porque 1) não tem nenhuma trajetória de ação política de base (normalmente ligada a ONGs, movimentos sociais, sindicatos, partidos políticos, associação de moradores ou entidades de classe); 2) não tem nenhum estudo formal em sociologia e ciência política; e 3) como debatedor/argumentador sempre foi um sofista, usando e abusando de falácias argumentativas. Um exemplo vivo do livro "Como vencer um debate sem precisar ter razão", de Arthur Schopenhauer. Se a proposta da peça publicitária é ressaltar o respeito a quem pensa diferente, como disse em seu Twitter o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, não custava terem escolhido um nome melhor do que Coppolla, que tem um histórico de interromper oponentes, aumentar o tom e lançar mão de demais estratagemas sempre que se vê acuado. Coppolla é um bacharel em direito que nunca exerceu a profissão, apenas tendo atuando no marketing (e isso, sem dúvida, ele faz muito bem) e dedicado-se a torrar grana da família com uma banda que quase plagiava o Oasis (com direito a Caio nos vocais imitando o sotaque de Manchester do Liam Gallagher). Caio Coppola é mais uma cria do Youtube que foi alçado ao conhecimento público por conta de mídias reacionárias como a Jovem Pan e a CNN Brasil. Já falei sobre a necessidade de as pessoas pesquisarem realizações e formação dos formadores de opinião para além de suas performances midiáticas. Pois então: Caio Coppola é um exemplo prático dessa necessidade! E aqui está um ponto que destaco sobre o quanto a peça publicitária é sintomática de problemáticas atuais, ao priorizar, dentro do contexto político, figuras que mais se destacam pela forma (retórica, sofisma, manipulação de recursos digitais, marketing agressivo) do que pelo conteúdo [3] [4]. Um cenário em que técnicas comunicacionais, de marketing e relações públicas são cada vez mais preponderantes. Exageradamente até.   

3- Ainda sobre a propaganda do TSE, em terceiro lugar, ela decide que Gabriela Prioli é a representante da esquerda. Mais uma vez, esse papel não deveria caber à propaganda institucional do órgão. Mas é sintomático do quanto o conceito de esquerda tem se deslocado para a direita nos últimos anos na política brasileira. Vale à pena conferir a coluna da ombudsman da Folha de S. Paulo, Flávia Lima, "as direitas se movem" [5], sobre como o jornal paulistano vem servindo a estratégias da direita de se promover como moderada e centrista, incluindo a promoção de uma possível chapa Sérgio Moro/Luciano Huck como uma opção de centro. Não é à toa que o que se "convencionou" chamar de "centrão" é, basicamente, um apanhado de partidos da direita fisiológica tradicional. Um exemplo disso é o partido Progressistas, que, segundo o noticiário hegemônico, faz parte do "centrão". Mas pela árvore genealógica partidária do Brasil, o Progressistas sempre esteve à direita, sendo um remanescente do PP, que por sua vez era remanescente do PPB, que era remanescente do PDS, que, finalmente, era remanescente do Arena, partido governista na ditadura militar. O partido sempre esteve à direita. Do ponto de vista histórico-político, não faz nenhum sentido situá-lo no centro.


4- Ao colocar Coppola e Prioli lado a lado, a propaganda sugere uma simetria entre ambos que não existe (nem em termos ideológicos, nem em termos intelectuais). A falsa simetria é outra característica sintomática do debate político atual. Diversos políticos e partidos se valeram dela nas eleições de 2018 para defender que PT e Bolsonaro seriam ambos radicais, lados de uma mesma moeda. Mas não são! Bolsonaro é um ultradireitista extremista, que, ainda que tenha sido eleito democaticamente, defende abertamente a ditadura e não tem apreço pelas instituições democráticas, frequentemente querendo se impor ao Legislativo e Judiciário. E Caio Coppola, enquanto marqueteiro e defensor de Bolsonaro, situa-se como um extremista também. Há algo de síndrome de Estocolmo por parte da Justiça eleitoral ao chamar para ser garoto-propaganda alguém que parece não se importar muito com o equilíbrio entre os Três Poderes. 

5- Por fim, mas não menos importante, vale destacar que se a proposta da peça publicitária é incentivar o voto consciente e a busca por informações sobre o histórico de cada candidato (conforme seu próprio texto diz), essa proposta passa invariavelmente pela questão das fake news. Esse foi mais um motivo de críticas de internautas à escolha de Coppolla como garoto-propaganda, já que o "comentarista político" já se envolveu diretamente em casos flagrantes de disseminação de desinformação. Em certa ocasião, na CNN, Coppolla endossou falas de Bolsonaro, sem provas, sobre fraude nas urnas eletrônicas [6], o que contraria a posição do TSE, que afirma e reafirma com frequência que o sistema é seguro. Por esse motivo, do ponto de vista da imagem institucional, a escolha de Coppola como garoto-propaganda mereceria, no mínimo, bastante cuidado. Por que associar a imagem da instituição à de alguém que levanta suspeitas, sem provas concretas, sobre seus procedimentos? Além disso, o jovem se mostrou um negacionista científico. Sempre endossando posições do governo Bolsonaro, no início da pandemia Coppolla gravou um vídeo minimizando a doença para contrariar as medidas restritivas e as regras de isolamento. Ele comparou o coronavírus com engasgo e afirmou que nos EUA mais pessoas morriam engasgadas do que de covid-19 [7]. A comparação não faz nenhum sentido, pois não dá para comparar uma doença epidêmica, ou seja,  que se multiplica e pode gerar um surto epidêmico, com um incidente como um engasgo, que não se replica (se você engasgar em público, outras pessoas que estão ao seu lado não vão sair engasgando por aí). Isso significa que, ainda que em uma específica semana morra-se mais de engasgo do que em decorrência de um vírus, dois ou três meses depois, por ter se multiplicado, o número de vítimas do vírus será bem maior que o de pessoas engasgadas. Fazer tal comparação é uma demonstração de ignorância ou mesmo de desonestidade. Como então justificar a escolha dessa figura pública para uma propaganda que aborda o trato adequado da informação?


Referências:

[1] TSE junta Gabriela Prioli e Coppola em campanha contra polarização. Veja o vídeo:

https://congressoemfoco.uol.com.br/video/tse-junta-gabriela-prioli-e-coppola-em-campanha-contra-polarizacao-veja-o-video/


[2] Justiça Eleitoral é criticada por campanha com Caio Coppolla e Gabriela Prioli:

https://noticiasdatv.uol.com.br/noticia/televisao/justica-eleitoral-e-criticada-por-campanha-com-caio-coppolla-e-gabriela-prioli-45510


[3] Quem é Caio Coppolla?

https://www.youtube.com/watch?v=VIWe2kKpvJs&fbclid=IwAR3ZVbSIPSdkd1KfCCjIZkcRN0HRwo0DXAOXfI6hr1JDitMxNdTTAwJED-A


[4] Quem é Caio Coppolla, o comentarista conservador da CNN Brasil?

https://observatoriodatv.uol.com.br/noticias/quem-e-caio-coppolla-o-comentarista-conservador-da-cnn-brasil?fbclid=IwAR3x_UalqdJS0mKqZ8XJWm0bTMDSULC2NpZTt9Z9tn-azGet75MXgmcaIHI


[5] As direitas se movem:

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/flavia-lima-ombudsman/2020/11/as-direitas-se-movem.shtml


[6] VÍDEO: Garoto-propaganda do TSE, Caio Coppola detona as urnas eletrônicas

https://www.diariodocentrodomundo.com.br/video-garoto-propaganda-do-tse-caio-coppola-detona-as-urnas-eletronicas/


[7] Caio Coppolla e Gabriela Prioli aparecem em campanha do TSE e web critica

https://catracalivre.com.br/entretenimento/caio-coppolla-e-gabriela-prioli-aparecem-em-campanha-do-tse-e-web-critica/

       

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