Nesta quarta-feira (26), às 20h, estarei mediando a live "Cobertura eleitoral em tempos de fake news", realizada pela Associação de Jornalistas do Sul Fluminense (Ajosul). O tema não poderia ser mais pertinente: profissionais de comunicação e informação, do direito, da política e de instituições públicas – como o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – vêm buscando se preparar e aprimorar suas práticas para o que está por vir. Porém, a desinformação ganhou muita força nos últimos anos, impulsionada pelas novas tecnologias de comunicação, principalmente as redes sociais (Whatsapp, Facebook, Twitter...). Tudo acontece muito rápido e não tem sido sido nada fácil para a sociedade civil organizada acompanhar essa rapidez. O tempo do aprimoramento jurídico e institucional é naturalmente mais lento, Então, como fazer em 2020? Esse é o grande desafio, e o debate é muito bem-vindo.
As fake news são apontadas como parte de um fenômeno mais amplo, que é o da pós-verdade. O termo pós-verdade foi eleito a palavra do ano de 2016 do Dicionário Oxford. No entendimento da Universidade de Oxford, a expressão pós-verdade se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais [1]. Nada disso é novo, mas a conexão com as tecnologias comunicacionais tornaram a coisa mais complicada.
Mais do que pertinente, o tema para mim é bastante familiar. Muito antes dos termos "fake news" e "pós-verdade" virarem moda, na "longínqua" primeira década deste milênio, minhas monografias já tratavam do assunto. No curso de Cinema e Audiovisual, minha pesquisa tratou da suposta sincronia entre o álbum Dark Side of the Moon, do Pink Floyd, e o filme O mágico de Oz, de Victor Fleming. A “lenda” da sincronia proposital entre ambas as obras ganhara força nos primórdios da internet como um boato (na época da monografia, usava-se o termo "hoax" para se referir a boato/fake news). Pouco depois, em Jornalismo, a pesquisa foi sobre o “roubo da Amazônia”, um dos primeiros grandes boatos brasileiros de internet, que afirmava que livros didáticos estrangeiros continham mapas nos quais a Amazônia brasileira era classificada como “área internacional”. A história tinha todos os contornos de teoria conspiratória. Nos primórdios da internet no Brasil, uma página de direita ligada a militares saudosistas da ditadura disseminou esse boato aparentemente como forma de fazer lobby pelo aumento de recursos para que as Forças Armadas protegessem a região. O roubo da Amazônia foi um precedente menos nocivo da "mamadeira de piroca" e do "kit gay".
Os termos são controversos. Para especialistas da área de comunicação, "fake news" é um termo incorreto, pois, se é fake não pode ser news (se o conteúdo é falso, não pode ser considerado notícia). Quanto à "pós-verdade", há quem prefira o termo "pós-fato". Mas fato mesmo é que no Brasil e no mundo a escalada das notícias fraudulentas e manipulação da informação, o que inclui não só textos, mas imagens e até vídeos falsos (por exemplo, os chamados "deep fakes"[2]), já comprometem o processo democrático, decidindo eleições e, consequentemente, os rumos das nações e suas políticas públicas por meio de irrealidades, o que termina por distanciar as gestões dos problemas práticos. O próprio conceito de pós-verdade foi impulsionado no bojo de processos eleitorais como a vitória de Donald Trump, nos EUA, e do Brext, no Reino Unido (a saída do Reino Unido da União Europeia).
Em 2020, soma-se a isso o problema da pandemia de coronavirus. No Brasil, assim como em alguns outros países, o enfrentamento à covid-19 foi bastante politizado. A percepção do problema, de seus riscos e de seus modos de prevenção depende muito do alinhamento político que o cidadão possui. Por exemplo: aqueles mais simpatizantes do presidente Bolsonaro podem acreditar mais na eficácia de medicamentos como a cloroquina e ivermectina; já os críticos ao bolsonarismo tendem a respeitar mais as regras de isolamento social e não compram a ideia dos medicamentos citados como solução. O professor de Comunicação da UFRGS, Luiz Artur Ferrareto, um dos debatedores da live da Ajosul/RJ, escreveu, em parceria com Fernando Morgado, o guia "Covid-19 e comunicação: um guia prático para enfrentar a crise"[3]. É praticamente certo que as eleições municipais brasileiras deste ano serão fortemente influenciadas pela pandemia e pela "infodemia", o excesso de informações, muitas delas completamente falsas ou distorcidas. Confira abaixo o release completo da Ajosul/RJ sobre a live desta quarta-feira.
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Ajosul/RJ promove live "Cobertra eleitoral em tempos de fake news" nesta quarta, 26
A Ajosul/RJ (Associação dos Jornalistas do Sul Fluminense) promove nesta quarta-feira (dia 26), a partir das 20h, uma live com o tema “Cobertura eleitoral em tempos de fake news”. A transmissão será feita pelo canal da Ajosul/RJ no Youtube. O evento terá a participação de Luiz Artur Ferraretto, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), doutor em Comunicação e Informação; do jornalista Bernardo Moura, editor da Agência Aos Fatos; e da advogada Andresa Leal, idealizadora do projeto ‘Isso é Fake News’.
O objetivo do evento - organizado pela entidade que reúne mais de 100 profissionais da imprensa de toda a região - é esclarecer dúvidas dos profissionais da imprensa e demais interessados sobre a nova legislação eleitoral, que criminaliza a criação e divulgação de fake news, além de debater como as notícias falsas podem comprometer o processo democrático.
Luiz Artur Ferraretto é doutor em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde também atua como professor no curso de Jornalismo e no Programa de Pós-graduação em Comunicação. É ainda coordenador do Núcleo de Estudos de Rádio, grupo de pesquisa certificado pela UFRGS junto ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Ferraretto também é autor dos livros Rádio – O veículo, a história e a técnica; Rádio no Rio Grande do Sul (anos 20, 30 e 40); Rádio e capitalismo no Rio Grande do Sul: as emissoras comerciais e suas estratégias de programação na segunda metade do século 20; e Rádio – Teoria e prática. Com Elisa Kopplin Ferraretto, escreveu Técnica de redação radiofônica e Assessoria de imprensa – Teoria e prática e, com Fernando Morgado, Covid-19 e comunicação, um guia prático para enfrentar a crise e Dez passos para o ensino emergencial no rádio em tempos de covid-19.
Bernardo Moura é editor da agência Aos Fatos, especializada em checagem de fatos e combate à desinformação nas redes sociais. Jornalista formado pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), já trabalhou na redação dos jornais Extra, Agora SP e O Globo. Atuou também como assessor de imprensa do Sindicato dos Jornalistas Profissionais Do Município do Rio de Janeiro.
Andresa Paula Leal é advogada, idealizadora do projeto ‘Isso é Fake News’. O trabalho de conclusão de curso de Andresa - formada pela UFF (Universidade Federal Fluminense) - teve como tema “Fake News: uma análise a partir do Direito e da prática do justiçamento”, no qual analisa a desinformação causada pelas notícias falsas e seus efeitos na comunidade.
Referências:
[1] "O que é pós-verdade, a palavra do ano segundo a Universidade de Oxford": https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/11/16/O-que-%C3%A9-%E2%80%98p%C3%B3s-verdade%E2%80%99-a-palavra-do-ano-segundo-a-Universidade-de-Oxford
[2] Sobre Deep fakes: https://www.techtudo.com.br/noticias/2018/07/o-que-e-deepfake-inteligencia-artificial-e-usada-pra-fazer-videos-falsos.ghtml
[3] PDF gratuito de "Covid-19 e comunicação: um guia prático para enfrentar a crise": http://grupomontevideo.org/sitio/wp-content/uploads/2020/04/ner_covid-19_e_comunicacao.pdf