terça-feira, 25 de agosto de 2020

Amanhã estarei mediando live sobre fake news e eleições

Nesta quarta-feira (26), às 20h, estarei mediando a live "Cobertura eleitoral em tempos de fake news", realizada pela Associação de Jornalistas do Sul Fluminense (Ajosul). O tema não poderia ser mais pertinente: profissionais de comunicação e informação, do direito, da política e de instituições públicas – como o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – vêm buscando se preparar e aprimorar suas práticas para o que está por vir. Porém, a desinformação ganhou muita força nos últimos anos, impulsionada pelas novas tecnologias de comunicação, principalmente as redes sociais (Whatsapp, Facebook, Twitter...). Tudo acontece muito rápido e não tem sido sido nada fácil para a sociedade civil organizada acompanhar essa rapidez. O tempo do aprimoramento jurídico e institucional é naturalmente mais lento, Então, como fazer em 2020? Esse é o grande desafio, e o debate é muito bem-vindo. 


As fake news são apontadas como parte de um fenômeno mais amplo, que é o da pós-verdade. O termo pós-verdade foi eleito a palavra do ano de 2016 do Dicionário Oxford. No entendimento da Universidade de Oxford, a expressão pós-verdade se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais [1]. Nada disso é novo, mas a conexão com as tecnologias comunicacionais tornaram a coisa mais complicada. 


Mais do que pertinente, o tema para mim é bastante familiar. Muito antes dos termos "fake news" e "pós-verdade" virarem moda, na "longínqua" primeira década deste milênio, minhas monografias já tratavam do assunto. No curso de Cinema e Audiovisual, minha pesquisa tratou da suposta sincronia entre o álbum Dark Side of the Moon, do Pink Floyd, e o filme O mágico de Oz, de Victor Fleming. A “lenda” da sincronia proposital entre ambas as obras ganhara força nos primórdios da internet como um boato (na época da monografia, usava-se o termo "hoax" para se referir a boato/fake news). Pouco depois, em Jornalismo, a pesquisa foi sobre o “roubo da Amazônia”, um dos primeiros grandes boatos brasileiros de internet, que afirmava que livros didáticos estrangeiros continham mapas nos quais a Amazônia brasileira era classificada como “área internacional”. A história tinha todos os contornos de teoria conspiratória. Nos primórdios da internet no Brasil, uma página de direita ligada a militares saudosistas da ditadura disseminou esse boato aparentemente como forma de fazer lobby pelo aumento de recursos para que as Forças Armadas protegessem a região. O roubo da Amazônia foi um precedente menos nocivo da "mamadeira de piroca" e do "kit gay". 


Os termos são controversos. Para especialistas da área de comunicação, "fake news" é um termo incorreto, pois, se é fake não pode ser news (se o conteúdo é falso, não pode ser considerado notícia). Quanto à "pós-verdade", há quem prefira o termo "pós-fato". Mas fato mesmo é que no Brasil e no mundo a escalada das notícias fraudulentas e manipulação da informação, o que inclui não só textos, mas imagens e até vídeos falsos (por exemplo, os chamados "deep fakes"[2]), já comprometem o processo democrático, decidindo eleições e, consequentemente, os rumos das nações e suas políticas públicas por meio de irrealidades, o que termina por distanciar as gestões dos problemas práticos. O próprio conceito de pós-verdade foi impulsionado no bojo de processos eleitorais como a vitória de Donald Trump, nos EUA, e do Brext, no Reino Unido (a saída do Reino Unido da União Europeia).  


Em 2020, soma-se a isso o problema da pandemia de coronavirus. No Brasil, assim como em alguns outros países, o enfrentamento à covid-19 foi bastante politizado. A percepção do problema, de seus riscos e de seus modos de prevenção depende muito do alinhamento político que o cidadão possui. Por exemplo: aqueles mais simpatizantes do presidente Bolsonaro podem acreditar mais na eficácia de medicamentos como a cloroquina e ivermectina; já os críticos ao bolsonarismo tendem a respeitar mais as regras de isolamento social e não compram a ideia dos medicamentos citados como solução. O professor de Comunicação da UFRGS, Luiz Artur Ferrareto, um dos debatedores da live da Ajosul/RJ, escreveu, em parceria com Fernando Morgado, o guia "Covid-19 e comunicação: um guia prático para enfrentar a crise"[3]. É praticamente certo que as eleições municipais brasileiras deste ano serão fortemente influenciadas pela pandemia e pela "infodemia", o excesso de informações, muitas delas completamente falsas ou distorcidas. Confira abaixo o release completo da Ajosul/RJ sobre a live desta quarta-feira. 


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Ajosul/RJ promove live "Cobertra eleitoral em tempos de fake news" nesta quarta, 26


A Ajosul/RJ (Associação dos Jornalistas do Sul Fluminense) promove nesta quarta-feira (dia 26), a partir das 20h, uma live com o tema “Cobertura eleitoral em tempos de fake news”. A transmissão será feita pelo canal da Ajosul/RJ no Youtube. O evento terá a participação de Luiz Artur Ferraretto, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), doutor em Comunicação e Informação; do jornalista Bernardo Moura, editor da Agência Aos Fatos; e da advogada Andresa Leal, idealizadora do projeto ‘Isso é Fake News’. 


 O objetivo do evento - organizado pela entidade que reúne mais de 100 profissionais da imprensa de toda a região - é esclarecer dúvidas dos profissionais da imprensa e demais interessados sobre a nova legislação eleitoral, que criminaliza a criação e divulgação de fake news, além de debater como as notícias falsas podem comprometer o processo democrático. 


 Luiz Artur Ferraretto é doutor em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde também atua como professor no curso de Jornalismo e no Programa de Pós-graduação em Comunicação. É ainda coordenador do Núcleo de Estudos de Rádio, grupo de pesquisa certificado pela UFRGS junto ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Ferraretto também é autor dos livros Rádio – O veículo, a história e a técnica; Rádio no Rio Grande do Sul (anos 20, 30 e 40); Rádio e capitalismo no Rio Grande do Sul: as emissoras comerciais e suas estratégias de programação na segunda metade do século 20; e Rádio – Teoria e prática. Com Elisa Kopplin Ferraretto, escreveu Técnica de redação radiofônica e Assessoria de imprensa – Teoria e prática e, com Fernando Morgado, Covid-19 e comunicação, um guia prático para enfrentar a crise e Dez passos para o ensino emergencial no rádio em tempos de covid-19.


Bernardo Moura é editor da agência Aos Fatos, especializada em checagem de fatos e combate à desinformação nas redes sociais. Jornalista formado pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), já trabalhou na redação dos jornais Extra, Agora SP e O Globo. Atuou também como assessor de imprensa do Sindicato dos Jornalistas Profissionais Do Município do Rio de Janeiro.


Andresa Paula Leal é advogada, idealizadora do projeto ‘Isso é Fake News’. O trabalho de conclusão de curso de Andresa - formada pela UFF (Universidade Federal Fluminense) - teve como tema “Fake News: uma análise a partir do Direito e da prática do justiçamento”, no qual analisa a desinformação causada pelas notícias falsas e seus efeitos na comunidade. 


Referências:


[1] "O que é pós-verdade, a palavra do ano segundo a Universidade de Oxford": https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/11/16/O-que-%C3%A9-%E2%80%98p%C3%B3s-verdade%E2%80%99-a-palavra-do-ano-segundo-a-Universidade-de-Oxford


[2] Sobre Deep fakes: https://www.techtudo.com.br/noticias/2018/07/o-que-e-deepfake-inteligencia-artificial-e-usada-pra-fazer-videos-falsos.ghtml


[3] PDF gratuito de "Covid-19 e comunicação: um guia prático para enfrentar a crise": http://grupomontevideo.org/sitio/wp-content/uploads/2020/04/ner_covid-19_e_comunicacao.pdf


quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Marcelo Adnet e a crítica à "fala acadêmica da esquerda"

 



O humorista Marcelo Adnet foi o entrevistado do programa Roda Viva, da TV Cultura, na última segunda-feira (17/08)[1]. Considerando-se de esquerda e progressista, Adnet ainda assim fez críticas ao espectro político do qual diz fazer parte, chamando a atenção para o quanto o "discurso acadêmico" de grande parte da esquerda a afasta da população. Por outro lado, a direita governista, ou seja, a direita bolsonarista, possui, ainda segundo ele, estratégias de comunicação mais diretas e simples, que colam mais fácil com as massas.


– O lado governista tem uma forma de comunicação muito breve: um meme, uma frase, um "chora mais"(...). Enquanto a esquerda é muito mais psicologizada, foucaultiana (...), e todo esse discurso acadêmico da esquerda, que eu tenho também, acaba afastando a maioria da população, porque ele não comunica. Ele é chato, velho e pesado, disse Adnet.


Primeiramente, já virou uma espécie de lugar-comum na política brasileira criticar algum político ou grupo político chamando-o de "acadêmico" ou "academicista". É tiro e queda. Virou crítica mesmo. Motivo de descrédito e até vergonha. Por mais que existam fundamentos pertinentes e construtividade nesse tipo de crítica, não dá para negar que ela é permeada também pelo anti-intelectualismo e antiacademicismo nossos de cada dia. Gosto mais do termo "antiacademicismo", pois mostra o quanto o anti-intelectualismo já se converteu, sociopoliticamente, em aversão às instituições produtoras de conhecimento (universidades e institutos de pesquisa). Sem contar que antiacademicismo é menos subjetivo que anti-intelectualismo, pois há muita gente que se vê como intelectual aparentemente sem ser. Esse provavelmente é o caso de Olavo de Carvalho. Para ele, não existem intelectuais de esquerda ao seu nível[2]. Autoestima é tudo!


Vale destacar que, apesar da crítica ao "academicismo de esquerda", nunca houve na história política brasileira um partido no qual acadêmicos tenham de fato tido hegemonia quantitativa, no poder decisório como dirigentes e nas escolhas dos representantes políticos para candidaturas e cargos na gestão pública. Há ainda, neste tipo de crítica, uma oposição equivocada entre prática e reflexão, entre fazer as coisas (ainda que essas coisas sejam irrelevantes ou equivocadas) e pensar sobre elas. 


Adnet é um excelente humorista. Um dos melhores da TV brasileira, sem dúvida. Com seu talento e criatividade, ele tem abordado temas políticos e satirizado questões que merecem o escárnio. Nem precisava dizer, como disse no programa, que tem uma visão de "esquerda e progressista", pois isso é, em grande medida, perceptível em seu trabalho. Mas foi bom que tenha dito, pois mostra que o pensamento anti-intelectual e antiacadêmico permeia a direita e também a esquerda. Sua crítica sobre a "fala acadêmica" da esquerda é pertinente e foi feita de forma construtiva. Mas foca muito na comunicação e pouco na ideologia e na política propriamente dita. Isso significa dizer que ela foca muito forma e pouco no conteúdo.


Explico: o problema não é só como se diz, mas o que se diz. Estratégias de comunicação política são fundamentais para candidatos, políticos, partidos, governos, ONGs, movimentos sociais etc. Um "chora mais" aqui, uma hashtag ali, um meme, podem, sim, fazer a diferença nesta nova esfera pública que são as redes sociais, onde, para o mal e para o bem, grande parte do debate político é travado. Mas, somadas a essas questões de forma, de estratégias de comunicação e marketing político, há o conteúdo: algumas ideias políticas são mais complexas que outras, portanto a simplificação dessas ideias será naturalmente mais difícil. Como fazer? Essa é a questão!


Bolsonaro é um catalizador de senso comum. Portanto o bolsonarismo surfa em uma onda que já existe. E já se formava antes mesmo das famigeradas manifestações de 2013. A tarefa da esquerda é desconstruir essa onda ou criar uma onda nova. Ou seja, ela é naturalmente mais difícil. Catalizar senso comum, reprocessá-lo e devolvê-lo às massas em forma de meme e texto raso é mais simples. Exemplos: é mais fácil dizer que bandido bom é bandido morto do que apontar as raízes sociais da violência, demonstrando sua relação com a pobreza, com a falta de oportunidades e de acesso à educação, evidenciando os aspectos sociológicos para além dos psicológicos e morais do criminoso; é mais fácil defender castração química de estuprador do que denunciar o machismo estrutural e a cultura de estupro; é mais fácil dizer que a riqueza é fruto do trabalho e do mérito individual do que explicar como funciona o capitalismo; é mais fácil dizer para as pessoas pobres que a vida delas é ruim porque os políticos roubam (recorrendo às imagens estereotipadas de dólares na cueca ou saindo pelas bordas da pasta de couro) do que falar sobre os modos como o estado é capturado pelos interesses privados para que esse mesmo estado funcione segundo os interesses do rentismo e das elites, que precisam da pobreza para que haja mão de obra barata a serviço de seus negócios. Aliás, este último tôpico leva invariavelmente a outros, como luta de classes e mais-valia. Para o bolsonarismo (e boa parte da direita), é melhor ficar só na corrupção e nos políticos corruptos.


Aliás, por que o tema "corrupção" tem um espaço tão amplo no debate político das massas? Uma das respostas é porque a corrupção é realmente um grande problema, mas é também porque discutir política pelo enfoque da corrupção é uma das formas mais fáceis de se discutir e pensar a política. Se você diz que Fulano roubou e Beltrano não roubou, a dona de casa com pouca instrução, mas de bom coração e valores morais, compreende rapidamente que Fulano está errado e Beltrano, não; que Fulano merece punição, enquanto Beltrano pode ser uma esperança. Não à toa o combate à corrupção foi uma das principais estratégias de marketing político da chapa vencedora das últimas eleições. É um mote fácil. O lavajatismo somou forças a esse marketing anticorrupção no reducionismo do debate político-eleitoral de 2018, sendo amplamente usado pelo bolsonarismo e pela direita (aqui não me refiro à operação Lava Jato em seus aspectos jurídicos, mas ao lavajatismo, entendido como desdobramentos político, eleitoral e discursivo da Lava Jato). 


Cabe ressaltar que as áreas acadêmicas mais afeitas ao estudo da política (como ciência política, sociologia, história...) possuem uma epistemologia desconstrutiva, justamente no sentido ideologicamente contra-hegemônico. Ou, para falar de uma forma mais popular: normalmente elas desconstroem o senso comum em vez de se valerem dele; frequentemente elas nos mostram que coisas que vemos como naturais não são tão naturais assim. O  cientista político Luis Felipe Miguel, ao abordar o suposto partidarismo à esquerda nessas áreas, explica que elas nasceram “de um esforço de desnaturalização do mundo social, o que leva à contestação das hierarquias e desigualdades. É o oposto do projeto da direita”[3]. Para o pesquisador, isso explicaria a predominância do pensamento de esquerda nesse segmento.  


Embora assertivo em certa medida, Adnet preferiu focar na forma, na comunicação. "Os governistas foram muito competentes nessa guerra de comunicação e semiótica", disse ele. Pois é, Adnet, mas a questão não é só essa. Ela envolve o debate político nas desconstruções do senso comum; envolve refletir sobre questões complexas que dificilmente serão solucionadas com ideias simples; envolve mostrar ao eleitorado que todos nós devemos desconfiar das soluções fáceis. 


Em minha atuação na área da comunicação pública/governamental, trabalhei com muitos políticos e gestores públicos que tinham a percepção de que estavam fazendo um excelente trabalho (alguns até estavam mesmo), mas que seus governos colhiam poucos frutos dessas ações por conta de falhas e ineficiências da comunicação. Acontece que não podemor resumir todos os problemas a problemas de comunicação ou marketing. Existem plataformas políticas mais complexas que outras; existem aquelas que são menos vistosas, ainda que muito importantes; existem aquelas que são mesmo antipáticas, ainda que necessárias (por exemplo, desapropriações em áreas de risco. Já fiz parte da comunicação de gestão que teve que tomar essa atitude. E claro que isso gera um desgaste político). 


No fundo, a comuncação política se assemelha, em alguns aspectos, à advocacia: não existe causa ganha! E, em algumas causas, devido às circunstâncias – o juiz, o material probatório –  o advogado de defesa terá muito mais dificuldade de obter êxito para o seu cliente. Gosto da analogia entre advogados e profissionais da comunicação; entre procuradorias e setores de comunicação de órgãos públicos, de partidos e de políticos: a mídia é um tipo de tribunal e tem seus modos de julgamento.   


Para Adnet, "Há uma classe política que, com a mudança da comunicação para a internet, não está investindo em ações políticas, mas está investindo em espetacularizações". Concordo. Como transpor certos ideários e suas plataformas políticas para a linguagem das novas mídias sociais é um desafio para políticos, partidos e instituições. E quanto mais complexas e contra-hegemônicas forem essas ideias políticas, maior o desafio. Na área da comunicação, isso é algo que guarda alguma semelhança com a divulgação científica: traduzir conhecimentos complexos de uma forma mais leve, fácil e cotidiana. As críticas à esquerda são pertinentes, mas elas devem vir acompanhadas do entendimento de que o desafio deste espectro político é maior do que o de seus adversários. 



Referências:

[1] "O discurso acadêmico da esquerda acaba afastando a população", comenta Marcelo Adnet: https://www.youtube.com/watch?v=AXUiH7ao6G4


[2] Olavo de Carvalho diz que não existem intelectuais da esquerda a seu nível: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/11/guru-de-bolsonaro-diz-que-nao-existem-intelectuais-da-esquerda-a-seu-nivel.shtml


[3] "Liberdades em disputa", texto de Luiz Felipe Miguel: https://grupo-demode.tumblr.com/post/148975395702/liberdades-em-disputa?fbclid=IwAR25F7UYhCtdsvZi-OpA4Fq94lJiIxeLkM3M18QIlORXL_5m8JuIO7t7VSk


 

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