Muita gente reclama de jornalistas e da imprensa profissional, mas lida com a informação de uma forma muito ruim, frequentemente caindo em fake news e compartilhando-as, sendo que em muitos desses casos essas pessoas evitariam esse problema se gastassem poucos minutos fazendo uma checagem. A internet e, principalmente, as redes sociais, ampliaram a nossa voz, ou seja, aumentaram o alcance do que temos a dizer. Hoje cada um é um veículo, cada um é uma mídia. Mas isso exige responsabilidade. Que tipo de mídia você tem sido?
A impressão que tenho é que muitas dessas pessoas – que compartilham desinformação ao mesmo tempo em que criticam da imprensa – veem o jornalista profissional como uma espécie de escritor ou digitador de texto. Elas reclamam dos jornalistas porque não gostam do que leem, mas não entendem e/ou não se interessam pelos mecanismos de apuração e verificação dos fatos que são “transformados” em notícias. É como se uma notícia se resumisse à mera vontade de quem a escreveu, no caso, o jornalista. Isso talvez explique em parte tanta gente sair por aí escrevendo e compartilhando bobagens sem buscar correlação entre o texto e os fatos (que é o que se busca nos processos de apuração e checagem).
Como eu disse, isso explica em parte! Muita gente repassa fake news inocentemente, porque acredita nelas e não confere o que lê, vê ou ouve. Mas quando o assunto é desinformação, devemos considerar o componente político, que torna tudo um pouco mais complicado. A distribuição em massa de fake news virou arma político-eleitoral e um perigo para as instituições democráticas, pois eleições passam a ser decididas com base em mentiras divulgadas por redes bem estruturadas compostas por especialistas em enganar as pessoas.
Só nesta semana em que escrevo, meu saldo de notícias falsas apenas entre familiares inclui “Papa Francisco comunista”, “Jean Wyllys expulso de universidade portuguesa” e “Tom e Jerry retirados do Cartoon Network por serem politicamente incorretos” (esta última fake parece não ter a ver com política, mas indiretamente tem, sim). É cansativo. É extremamente cansativo! O que fazer?
Antes, deixe-me me apresentar
Meu interesse por ceticismo e ciência é antigo e, de certo modo, sempre se misturou ao meu trabalho com comunicação. Essa mistura me levou aos estudos sobre desinformação, um universo que envolve teorias conspiratórias, boatos, fake news, negacionismos científicos e revisionismos históricos. Não lembro exatamente há quantos anos pesquiso esse universo, mas meu primeiro trabalho com o tema foi em 2006, muito antes de termos como "fake news" e "pós-verdade" virarem palavras da moda. Em minha monografia, analisei o boato sobre a possível relação de sincronia entre duas obras artísticas: o álbum The Dark Side of the Moon, da banda Pink Floyd, e o filme O Mágico de Oz, dirigido por Victor Fleming. Segundo a lenda urbana, quando veiculados ao mesmo tempo, é como se o álbum servisse de trilha sonora alternativa para o filme. De fato, há pontos de sincronia impressionantes!
Tempos depois, em outro trabalho de conclusão de curso, fiz um estudo de caso sobre "O roubo da Amazônia", um boato que dizia que os americanos estavam se preparando para invadir a Amazônia e já ensinavam em suas escolas, por meio de livros didáticos, que a região não pertencia mais ao Brasil. Esse hoax (como eram chamados os boatos de internet naquela época) era considerado por muitos como o maior da internet brasileira até aquele momento. Naquela época muito da internet no Brasil ainda era mato. De lá para cá as redes e disparos de desinformação se profissionalizaram e viraram arma política.
Pois então, o que fazer?
Não há soluções fáceis e definitivas, e as medidas precisam ser multidisciplinares, envolvendo, por exemplo, o aprimoramento jurídico para o combate às redes de desinformação, o trabalho constante das empresas jornalísticas de checagem (fact-checking) e uma nova pedagogia que ensine os cidadãos a lidar de forma responsável e consciente com as novas mídias e com a avalanche diária de informação (e desinformação).
Essa nova pedagogia tem recebido o nome de “educação midiática” (mas também é chamada de “letramento digital”, “letramento midiático” etc). É definida como um conjunto de habilidades para acessar, analisar, criar e participar de maneira crítica do ambiente informacional e midiático, o que inclui veículos impressos, rádio, TV e, principalmente, os formatos digitais. Seguem abaixo algumas dicas de manuais que tive acesso recentemente e achei bastante interessantes. Tudo gratuito e em português.
Em uma tentativa de popularizar dicas sobre como identificar formas de desinformação, um grupo de mais de 20 especialistas se reuniu para publicar um manual que reúne algumas das principais características das mentiras que circulam por aí. O Manual da Desmistificação 2020 pode ser baixado no site Skeptikal Science [1]. Ele aborda, por exemplo, o peso que nossa visão de mundo possui para nos fazer compartilhar fake news que confirmam nossas crenças.
Outra publicação importante é o Manual das Teorias da Conspiração [2]. Produzido pelos pesquisadores Stephan Lewandowsky e John Cook, o trabalho tem como uma de suas premissas reunir dicas sobre como identificar o pensamento conspiracionista, e, por sua vez, as teorias da conspiração. Essas teorias se tornaram um tema recorrente no dia a dia da população, após a confirmação dos primeiros casos de coronavírus em território brasileiro, e ganharam maior projeção principalmente nas redes sociais, em meio às incertezas criadas pela pandemia.
Por fim, quero destacar o Guia da Educação Midiática [3], desenvolvido por Ana Claudia Ferrari, Daniela Machado e Mariana Ochs e lançado pelo Instituto Palavra Aberta, referência em letramento digital e midiático no Brasil. Embora mereça ser lido por todos, este manual é voltado principalmente a educadores e chama a atenção para a urgência de prepararmos crianças e jovens para o relacionamento com as mídias. O guia é repleto de dicas e exemplos de como a educação midiática pode ser incorporada às aulas regulares de forma multidisciplinar, nas áreas de linguagens, matemática, ciências humanas e da natureza.
Referências:
[1] Manual
da Desmistificação 2020:
https://skepticalscience.com/translationblog.php?n=4886&l=10
[2]
Manual das Teorias da Cosnpiração:
https://www.blogs.unicamp.br/mindflow/?p=533
[3]
Guia da Educação Midiática:
https://educamidia.org.br/guia